“O importante é a vida, o sujeito viver bem, de mão dada”
Oscar Niemeyer
Numa tarde qualquer decidi olhar no site da Câmara Municipal do Porto as propostas que o novo Plano Director Municipal (PDM) contempla para as redondezas de onde moro, ou pelo menos as que dizem respeito à responsabilidade deste município, uma vez que no meu entender os demais municípios adjacentes possuem o mesmo direito de usar o nome Porto. Isto é assunto para outro post…
Imagem aérea com os dois edifícios históricos e a travessa lateral
Plano com a proposta de demolição por parte do poder público
Pretendia ver em especial o mapa de uso do solo na esperança de constatar a existência de politicas para consolidação do tecido urbano, e também de restauro dos prédios antigos abandonados, alguns deles de grande interesse arquitectónico, numa região da cidade em que o património histórico não é especialmente abundante.
Foi com certo desgosto que descobri que no plano havia a proposta de ligação de uma rua, hoje sem saída, à Rua de Costa Cabral, que implicava passar por cima de um dos edifícios antigos que citei antes.
Detalhamento da proposta de demolição para a rua proposta pela Câmara Municipal do Porto
A maneira com que a proposta será implementada é inadequada por uma série de factores:
- O edifício a ser demolido, além de histórico, com um leve traçado Art Nouveau que sugere tratar-se de algo edificado entre 1910-1920, faz parte do alçado consolidado dos edifícios em banda da rua. Ou seja, as suas cérceas estão alinhadas com o vizinho de acordo com o máximo permitido por lei, neste caso térreo e mais 3 andares, o que, portanto, não cria fachadas cegas desnecessárias e é um elemento importante para consolidar a frente urbana da rua, que apresenta muitas incongruências em relação à cércea de edifícios.
- O edifício a ser demolido, que na verdade é idêntico a um dos vizinhos laterais, criaria com a passagem da rua uma situação de empenas cegas. Num lado teria uma construção relativamente recente, totalmente habitada, e no outro o seu irmão gémeo, hoje abandonado, que leva a crer que teria a demolição como destino, uma vez que para os investidores dificilmente iria apetecê-los restaurar ao invés de demolir e construir algo de raiz – seguindo já o exemplo da política municipal que demonstra despreocupação quanto a isto. O mais provável é que viesse abaixo junto com o que dará lugar à rua, e fique um terreno baldio por algumas décadas, conforme exemplos que existem nas redondezas.
- A situação mais gritante da proposta é que, ao lado do referido irmão gémeo do edifício que está com a cabeça na guilhotina, existe já uma ligação, a Travessa da Areosa, que liga as duas ruas que a proposta da Câmara pretende ligar, e mostra-se inadequada, pois é estreita, daquelas em piso de paralelepípedo em pedra, da época em que só passava o agricultor e mais o burro carregado de alfaces na carroça. A mesma passa em terrenos baldios aonde abundam os gatos vadios e amoras silvestres, e algumas ruínas de casas em granito, aonde só restam as paredes, e não agregam em nada. Ao ser feito o novo acesso, julga-se que esta travessa permanecerá, sem nenhum uso justificável, e quase como um pleonasmo.
- Entre o encontro da travessa e a Rua de Costa Cabral, na esquina oposta daquela aonde situa-se o edifício irmão gémeo do condenado, estão uma série de 3 edifícios compostos por térreos e 1 andar, também em pedra, dois deles já abandonados e em ruínas. Estes, além de não terem interesse histórico, estão desalinhados com o recuo da rua, e causam um estreitamento do passeio. Obviamente que na hipótese deles serem vendidos e construído algo novo no lugar deles, a Câmara obrigará que os novos sejam alinhados com o recuo do vizinho.
Dito isto, e por conhecer bastante do sítio em questão, decidi fazer uma proposta que acredito ser mais proveitosa para a cidade, alia oportunidades que as próprias condicionantes pedem, e sem os efeitos colaterais que a proposta camarária traz.
A questão primordial passa por reutilizar a travessa estreita, alargando-a no espaço ocupado pelo edifícios desalinhados do recuo e mais atrás pelos terrenos baldios das ruínas. Creio ser óbvio que esta opção possibilitaria com que novos edifícios surgissem, e criariam uma frente urbana viva ao nível os passeios; na proposta da CMP só pelo facto de haver a geração de duas fachadas cegas esta possibilidade já é severamente comprometida.
O facto da rua vir a ser mais tortuosa do que a actual proposta não é um entrave, pois será uma via de circulação local, e este traçado possibilita vistas interessantes para os futuros edifícios que nasceriam no seu interior; um deles já aproveitaria a fachada cega existente na parte alargada da travessa e prosseguiria até juntar-se ao projecto hipotético da esquina da Costa Cabral.
Sobre este projecto de esquina, é uma volumetria desenvolvida para proporcionar uma continuidade com o edifício contíguo existente, além de ao dobrar da esquina prever um chanfro que facilite a apreensão do espaço e revele a nova travessa de maneira gradual, conforme caminha-se. Acima da cércea de alinhamento, um outro corpo com a mesma altura da base, portanto 12 metros, desenvolve-se e totaliza 24 metros de altura. Este é recuado do vizinho – permite aberturas nas 4 faces – e debruça-se sobre a rua em outra parte, criando um espaço coberto e mais intimista, ao mesmo tempo em que demarca e cria personalidade para a situação urbana. O potencial construtivo excedente que esta volumetria proporciona, em comparação com uma solução tradicional, serviria também para amortizar os custos com desapropropriações que a Câmara gastaria.
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Creio que fora a proposta do bloco acima da base, não trata-se de nenhum procedimento fora da alçada rotineira que o departamento de urbanismo da CMP lida nas suas competências, e é facilmente realizável, demanda menos desapropriações, salvaguarda o património histórico que é escasso nesta zona da cidade e cria um caminho para fazer-se cidade, ao invés de retalhos sem coerência.